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A VITIMIZAÇÃO POLICIAL COMO REFLEXO SOCIAL DA IMPROBIDADE ESTATAL

admin Comente 22.05.23 921 Vizualizações Imprimir Enviar

A cada incidente trágico envolvendo a morte de agentes da segurança pública, provocada pelos próprios servidores, faz ressurgir as seguintes questões: os agentes de segurança pública chegaram a um quadro de esgotamento físico e mental, que os leva a atentar contra a própria vida e a de seus colegas de trabalho? A sociedade civil brasileira em pleno século XXI é sensível a esta situação ou é conivente com as políticas públicas adotadas (ou não) pelo Estado brasileiro?  E por fim, o Estado (nas suas diferentes esferas federativas) na qualidade de gestor é improbo (por ação ou omissão)?

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública[1], com destaque ao Anuário Brasileiro de Segurança Pública referente aos anos de 2020 e 2021, a pandemia de Covid-19 e os suicídios, foram as maiores causas de mortes de policiais, superando inclusive o número de homicídios. Ainda com base nos dados do supracitado anuário, entre os anos de 2020 e 2021, o número de suicídios de policiais civis e militares aumentou em 55%. Especificamente as Polícias Civis do Brasil, tiveram um aumento percentual de cerca de 61,5%.

Conforme dados oficiais extraídos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mais especificamente do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas – SINESP, a atividade realizada pelos trabalhadores da segurança pública, os coloca em contínua situação de risco. E indubitavelmente, o exercício da função policial, leva esses agentes da lei ao surgimento e desenvolvimento de transtornos físicos e mentais diversos.

Para fins de delimitação epistemológica, entende-se como “sociedade civil” o conceito adotado pelo sociólogo inglês Anthony Giddens, qual seja, sendo a esfera da sociedade composta por todas as redes (associações de voluntários, empresas, clubes, organizações e famílias) de cidadãos, que agem de forma independente do governo.

Neste contexto, salvo melhor juízo, os agentes de segurança pública mesmo quando em ação estatal legítima de proteção ao cidadão (inclusive com risco real de vida), se sentem desamparados social e politicamente, em face da mesma sociedade em que devotam suas vidas para proteger. Os agentes da segurança pública diuturnamente se questionam, se a sociedade civil realmente se preocupa com a saúde do policial. Pois mesmo quando o agente policial arrisca sua vida para defender a população, seu trabalho é visto com desconfiança.

Não se trata em momento algum, de qualquer espécie de legitimação ou de “salvo conduto” para qualquer ação ilegítima que, aliás, não é exclusividade da classe dos servidores da segurança pública, como alguns setores sociais tentam estigmatizar.

A sociedade civil brasileira, diante do quadro fático, precisa repensar os seus valores e respeitar a vida do trabalhador policial (que também é cidadão brasileiro com direito ao gozo dos seus Direitos Fundamentais, entre eles, a saúde e vida digna). Sob o risco de cruzar um limiar de incongruência sociojurídica, que levará a todos a uma fúnebre dissonância cognitiva coletiva.

Se a dissonância cognitiva pode ser caracterizada como um embate entre o que um indivíduo pensa, sente e o que faz (como por exemplo, gritar em praça pública “fora corrupção” e se valer de “gato” na rede elétrica para pagar menos), a dissonância cognitiva coletiva surge quando a sociedade civil se mostra omissa a falta de respeito a saúde (física e mental) daqueles que se expõem para protege-la.

A título de exemplo, com a máxima vênia, sobre a falta de respeito a vida dos agentes de segurança e total desproporcionalidade no dever público de informar, infelizmente alguns veículos da imprensa fluminense, se mostraram mais sensibilizados com uma “bolha inflável” que se soltou no mar de Copacabana (sem vítimas, graças ao diligente trabalho dos Guarda-Vidas que ali se encontravam), do que com a brutal morte  de uma perita legista da Polícia Civil (com doze perfurações de arma de fogo e defronte ao filho da vítima). Sim, lamentavelmente, a sociedade civil é conivente ou no mínimo, tolerante ao adoecimento e morte dos seus agentes de segurança pública.

Mas e o Estado, na sua condição de gestor, como se comporta efetivamente para garantir a saúde física e mental dos seus agentes públicos da segurança? Ainda que em breve análise, não restam dúvidas que em face de sua constância (vide, por exemplo, as diligentes ações do Ministério Público do Trabalho contra o assédio moral, ou ainda as inúmeras denúncias feitas pela C o n f e d e r a ç ã o Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL), que o tema logo sairá do campo das discussões acadêmicas, para a justa análise do Poder Judiciário.

Vale ressaltar que diferente do que a sociedade civil atribui a toda e qualquer ação policial (ainda que reconhecida pelos legítimos órgão de controle legal), no Estado Democrático de Direito brasileiro não existe a responsabilidade penal objetiva. Da mesma forma, com o advento da Lei nº 14.230/21, os atos de improbidade administrativa necessitam da comprovação da existência de dolo por parte do agente público (ou de terceiros).

Entretanto, e com o máximo respeito ao entendimento jurídico diverso, o Estado-gestor é extremamente rigoroso na sua seleção pública, e os candidatos a futuros servidores da segurança pública, entram em suas respectivas instituições com o conceito APTO.Porém, após a posse e o exercício nos respectivos cargos na segurança pública, um grande e recorrente número de servidores adoece[2](transtornos mentais, riscos cardiovasculares, lesões musculoesqueléticas, alterações auditivas, hérnia de disco e lombalgia crônica, dentre outras segundo dados da FIOCRUZ).

Logo, é possível então, defender a tese jurídica de que o Estado brasileiro é o causador (por ação, vide a falta de condições de trabalhos, equipamentos inadequados, desvio de função, etc.) e/ou potencializador (por omissão, conforme as recorrentes denúncias de assédio moral), de doenças físicas e psicossomática dos seus agentes.

Por fim, acreditar que as dores (físicas e psicológicas) dos trabalhadores da segurança pública, são situações “individuais” e de responsabilidade exclusiva daquele quem adoece, é o mesmo que culpar a vítima pelo ato do criminoso. VIDAS POLICIAIS IMPORTAM.

 

Igor Pinho dos Santos

Oficial de Cartório da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

Diretor de Assuntos de Saúde Policial da COLPOL

Doutor e Mestre em Sociologia e Direito

Pós-graduado em Gestão em Administração Pública

Pós-graduando em Psicologia Social

 

[1]Vide<https://fontesegura.forumseguranca.org.br/a-ainda-alarmante-quantidade-de-suicidios-de-policiais/>, acessado em 21 de maio de 2023.

 

[2]Conforme a dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Políticas Públicas em Saúde, da Escola Fiocruz de Governo – EFG/FIOCRUZ/Brasília, intitulada “ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DOS POLICIAIS MILITARES COM INCAPACIDADE LABORAL NO ESTADO DE GOIÁS”, acessada no link<https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/49599/andrey_loiola_fiodf_mest_2019.pdf?sequence=2&isAllowed=y>, em 21 de maio de 2023.

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